Há duas formas fundamentais de percepção da origem das idéias. A primeira, metafísica, consiste em admitir que as idéias surgem do vazio, do vácuo, da subjetividade, da inspiração, do poder imaginativo do pensador/inventor. Num momento de iluminação as idéias chegam e são absorvidas por um cérebro pensante e fértil. Dessa forma, classifica diretamente aquele que possui muitas idéias como pessoa inventiva, criativa, aberta às recepções eletromagnéticas que o acaso e o destino oportunamente lhe proporcionam. A segunda percepção, materialista, indica que as idéias são formadas a partir de experimentação, de vivência, ou seja, de determinada prática. Consiste em afirmar que qualquer pensamento ou teoria que se forma a respeito de qualquer objeto possui compromisso direto com a realidade, ou melhor, com a necessidade de interferência nessa realidade. Nesse segundo caso, as pessoas inventivas, criativas, deixam de ser pára-raios de uma chuva de idéias e passam a ser perceptivas e sensíveis aos diferentes processos que regem o cotidiano, constroem e destroem conceitos, todos vinculados à sua realidade.
Essa visão materialista da realidade, que explica dessa forma a origem das idéias, me parece mais coerente. Vacila menos. É mais justa. É mais democrática. Admite qualquer pessoa como um pensador em potencial, pois é isso que todos nós somos realmente. Pessoas que pensam o tempo todo.
Já ouvi um professor de biofísica dizendo que cada um tem em média uma ou duas idéias brilhantes por ano. Gostaria de saber com que aparelho ele conseguiu verificar essa média. Seria um ideômetro? As idéias não podem ser quantificadas e tampouco classificadas em brilhantes ou tímidas. Tudo depende do objetivo, do propósito e a partir de que prática foi construída.
Mas se consideramos a visão materialista da realidade, em que a idéia tem compromisso com a realidade, a teoria está vinculada à prática, as pessoas mais bem sucedidas no seu ideário, as idéias mais bem aceitas e possivelmente mais aplicadas, partem também do sucesso da percepção, análise e síntese da realidade. Mais precisamente, das contradições que cercam determinada realidade.
Liberdade é a consciência da necessidade. Essa frase, que não é minha, e que infelizmente não me recordo o autor, é no mínimo forte. As pessoas que entendem e que percebem suas necessidades frente às contradições do cotidiano se libertam, uma vez que podem imprimir no próprio movimento toda a energia necessária para a transformação de determinado processo, obviamente munidas das idéias formuladas a partir deste confronto com o real.
E aquelas idéias que aparecem do nada? Aquelas que nos acordam depois de um sono agitado? Idéias que nos fazem anotar rapidamente no papel para não perdermos seu conteúdo? E as letras de música, os poemas, os quadros e outras manifestações artísticas que surgem em momentos de inspiração muitas vezes auxiliados por um ótimo vinho ou por uma companhia estimulante? Que inspiração é essa? Que poder imaginativo! Não há nada de metafísico nisso. Abstratos ou não, tais produtos do pensamento humano certamente se conectam com a matéria real, com o chão onde pisou o poeta, com o sentimento vivido pelo escritor, com a angústia do artista frente às contradições do mundo, com a inquietação do inventor frente às lacunas do inexplicável. Apesar de muitas vezes essa ligação com a prática não ser visível, ela se dá inexoravelmente. O que não podemos afirmar é que todas essas expressões da mente humana, por não se beneficiarem de método, de objetividade, de processo, de discussão, de questionamento, podem ser realmente bem sucedidas, ou, numa linguagem menos ácida, produtoras de uma realidade melhor. São interferências cujo compromisso com a realidade é mínimo – apesar de terem surgido a partir dela -, e por isso o resultado positivo também apresentará iguais proporções, ou até mesmo negativo, dependendo do referencial.
Não me oponho à sublimação ou à transcendência. Mas precisamos nos exercitar para que esses recursos, essas ferramentas nos auxiliem na aproximação com a realidade e não no distanciamento dela. Do contrário, as grandes idéias continuarão sendo vistas como propriedades dos grandes gênios e todos os outros serão expectadores à espera da revelação. É inadmissível tal imobilidade.
Boas idéias podem ser simples ou excêntricas, lineares ou dendríticas, mas são boas não pelo momento brilhante do autor, mas pela sua eficiência em perceber o que rege determinado desequilíbrio e como esse desequilíbrio pode se transformar em equilíbrio com atitude.