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2.9.10

O povo não nega


Fui querer me encontrar com aquele que vivem chamando de povo
e dei com o nariz na porta
de novo.

Disseram alguma coisa
sobre periferia
e quanto mais me afastava do centro
o centro me perseguia.

Ampliei o discurso
caprichei na acidez
pretendi alcançar grandes certezas, mas
talvez...

Talvez eu também seja povo
e quem sabe esteja andando em círculos
e por procurar pelas pessoas tão longe
não fiz muitos vínculos

Se você me lê
me ajude, colega
quero espaços com gente que convive
e não nega.

2.7.10

RESENHA

A Oficina de Fundamentação e Instrumentação nos alimentou com o espírito crítico a respeito da leitura e experimentação da cidade em que vivemos. Sem que tivéssemos inicialmente a pretensão de reivindicarmos o ambiente urbano, aos poucos fizemos muito nessa direção. Primeiro começamos por entender os princípios que motivam a organização das cidades – latu senso -, e na seqüência, procuramos identificar as origens e desenvolvimento da cidade de Belo Horizonte. Estas contribuições enriquecedoras foram oferecidas pelos professores Altamiro e Hamilton, oportunamente alencados no início da disciplina.



Com doses generosas de Hertzberger em Lições de Arquitetura, pudemos vislumbrar algo além do que os colegas já formados, em sua maioria, vem produzindo na cidade e no mundo. Entrar no circuito e itinerário habitual do curso, sem antes nos posicionarmos a respeito de que ritmo e que direção desejamos adotar seria crueldade com jovens entusiasmados pela mudança do mundo. Pretender uma arquitetura mais para as pessoas e menos para os encartes publicitários que servem ao mercado imobiliário – talvez seja essa a máxima da vez. Munidos de parafernália tecnológica com softwares que usam e abusam da tridimensionalidade e de efeitos visuais, arquitetos e estagiários vem se afastando do princípio que condiciona a profissão: criar e organizar o espaço PARA AS PESSOAS. Não raro recebemos nos sinais de trânsito encartes e panfletos de ofertas em condomínios fechados, prédios e apartamentos sofisticados ou cujo preço torna imperdível o empreendimento, já que é disso mesmo que a arquitetura vem se servindo, EMPREENDIMENTO. Mas e a criação, a plasticidade, o aprofundamento na ligação entre o ser humano e o espaço? E o estranhamento, análise, síntese e projeção dos assuntos humanos, sociais, culturais? E as relações desse conhecimento com o produzir, com o habitar? Para onde vai? Parece que fica restrito a algumas cadeiras do curso de arquitetura, lá bem no início do curso.


Hertzberger foi muito feliz ao comparar o arquiteto com o alfaiate – figura em extinção nos dias atuais. Disse que o alfaiate não se esforça por fazer apenas roupas bonitas. As roupas devem ser bonitas e vestir bem quem as encomendou. Mais que isso, deveriam servir bem a qualquer pessoa. Fazer qualquer roupa, a qualquer tempo, sob os ditames de qualquer moda é o que fazem as lojas de departamento. Arquitetar caixotes verticais com as pseudobenesses propagadas aos quatro ventos pelos publicitários é arquitetura de magazine. Reproduzir modelos de moradias que nada têm a ver com quem nelas vai morar não é coisa de arquiteto. É assunto de técnico em sketch up.


Isso aprendemos com a disciplina. Fizemos um trabalho de intervenção no rio Arrudas, imagem quase morta na paisagem citadina. Referência de algo que a cidade já foi e que ingratamente, já nos seus estertores, recolhe lixo e detritos da indiferença urbana. Recuperar o Arrudas, recuperar a paisagem. Propiciar que belorizontinos reivindiquem o rio para si. Roubar o espaço que os automóveis já nos roubaram – com o nosso velado consentimento. Usamos um dos softwares contemporâneos a nosso favor. Ao invés de consertar bundas de modelos para revistas masculinas, o photoshop nos serviu para apagar, remendar, desconstruir e reconstruir a paisagem do rio Arrudas. Mesmo que em idéia, fomos felizes. Até representantes da prefeitura se engasgaram com o pomo de Adão dos Boulevard´s permitidos pela lógica de circulação da cidade. Que se engasguem cada vez mais.


E ao percebermos um grande foco de discussão, o império automobilístico na dinâmica da cidade, miramos nessa direção e desenvolvemos o segundo trabalho. Hertzberger e Anne Jacobs nos serviram com pensamentos de que a postura reivindicativa não é exagero e sim necessidade para quem se julga pertencedor e possuidor da cidade. Desprivilegiemos os desmemoriados e tragamos à tona o que já foi a rua e a calçada. Antes os poucos carros pediam permissão às crianças que faziam da rua uma quadra de esportes como o autêntico futebol amador. Amor incondicional de toda criança que vive a infância. Hoje, carros não pedem permissão. Regras a seu favor já ditam a ordem – RESPEITE A SINALIZAÇÃO, sob o risco de ser atropelado.


Por mais muros que a cidade criou em si mesma, os muros mais abissais são os meio-fios que não devem ter mais que 20cm. Não respeitando esse desnível do piso urbano, a lei do homen contemporâneo permite que o atropelado seja o culpado. Dentro de cápsulas cada vez mais velozes, sofisticadas e descartáveis, motoristas se enclausuram e se isolam da realidade urbana. A cidade é conhecida pelos itinerários e pelo tempo de um a três minutos que permitem os semáforos. Depois, em engarrafamentos, munidos de ar condicionado, som ambiente, e agora com televisões e dvd´s, nada mais do mundo exterior importa ao motorista. Será que é tão exterior assim? Diante da carrocracia, o trabalho VAGAS VOLANTES, se fez notar. No espaço de uma vaga condicionada pela lei do rotativo gerenciada pela BHTRANS, ocupamos e desenvolvemos novo uso, algo diferente do que o dormitório de um veículo. Vários de nós se envolveram com muitas idéias. Acampamento, centro de recreação, dispositivo para abastecimento energético a partir de energia motriz (pedalando bicicletas), churrasco, brincadeiras pueris, pesque-pague... Coisas que gostaríamos de fazer na cidade, que certamente mereceríamos sem termos que nos deslocar para praças, clubes ou shopping centers. Fizemos ali, por algumas horas em um despretensioso sábado, nos arredores da faculdade de arquitetura.


Que após tamanho investimento em realidade produzido pela oficina, o promissor arquiteto não se perca no decorrer do curso na alienação natural que envolve a educação formal do nosso país. Que não se amarre no tecnicismo aprendido neste e em outros cursos, que reinventa milhares de vezes um canivete suíço e o joga no deserto. Para quê, para quem?


Que não sirva à empresa capital, sob a lógica do lucro como referência, mas que sirva a empresa do humanismo, sob a lógica da convivência.

1.7.10

RECEITAS - COMO OCUPAR UMA VAGA DE CARRO


INGREDIENTES:


      (mobiliário)                                              (churrasco)

- 2 portas dianteiras                                      - 3kg de picanha
- 1 porta traseira                                           - 3kg de alcatra
- 1 capô                                                        - 4kg de asa de frango
- 5 pneus                                                      - 3kg de linguiça tropeira
- 4 rodas                                                       - 9kg de carvão vegetal
- 1 volante                                                    - sal grosso
- 2 para-choques                                          - cerveja e refrigerante a gosto
- 4 tapetes                                                    - 4 espetos
- 4 bancos de carro

MODO DE FAZER:

1) 3 pneus empilhados funcionam como um compartimento para gelo e bebidas que deve ser colocado na parte traseira do "carro".


2) Protegidos pela porta traseira estão os mantimentos.



3) Os quatro bancos são colocados em torno da mesa composta pelo capô apoiado sobre 2 pneus empilhados.



4) O volante serve de arranjo de flores (artificiais).




5) A churrasqueira? As 2 portas dianteiras são colocadas uma em frente à outra e se transformam numa excelente churrasqueira com os apoios necessários para os espetos e a distância perfeita entre a carne e o carvão, armazenado nas 4 rodas adaptadas.



6) Para-choque traseiro e dianteiro colocados nas respectivas posições.


Agora é só aproveitar o churrasco e lógico, não se esqueça de convidar os amigos...


Bom churrasco!!!

26.4.10

Intervenção no Arrudas

O rio Arrudas, em Belo Horizonte, está a cada dia sendo mais e mais enterrado em câmara mortuária de concreto. Sua lápide, out-doors que fazem menção a uma tal de linha verde que ninguém consegue perceber, nem sequer a intenção da cor.
Seus trechos que ainda podem ser observados ao ar livre mostram o quanto o rio assimilou toda a desorganização do crescimento da cidade. Desde o início do povoamento vem sendo castigado como depósito dos descartes humanos de todos os tipos - e aqui o eufemismo é óbvio. Para muitos, longe de um rio, não passa de coletor de esgoto da cidade.
E quando essa degradação é percebida, qual o movimento que produz? Muito antes de recuperá-lo, enterram-no como se nunca tivesse existido... e colhem os efeitos catastróficos desse disparate tanto no ponto de vista da paisagem, quanto no que diz respeito às enchentes recorrentes após as chuvas em pancadas.

Para recuperar o rio Arrudas como elemento indissociável da cidade de Belo Horizonte, há que recuperá-lo na lembrança e no desejo daqueles que passam por ele e que o percebem apenas como moldura mal arranjada de uma avenida. Toda a gente, tanto os que o frequentam como transeuntes obrigatórios entre estações de metrô e as rodovias, quanto os que não o frequentam precisam ser convidados a reconhecê-lo como rio... como lugar de possível convivência.


A intervenção urbanística proposta para tanto é a de aproximar os pedestres do rio sem cobrí-lo como o concreto da linha verde vem fazendo. Através de um deck que faz meandros, o objetivo é convidar quem por ali passa a se defrontar com o rio e não evitá-lo. Mais ainda, procura estabelecer o conceito de unidade de convivência, ou, como o projeto se nomeia: unidade de USOFRUTO.
Aposta-se muito aqui no poder que um pé de fruta (laranjeira nesse caso), com sua sombra, seu perfume, a umidade que traz ao ambiente, e as frutas doces e gratuitas, como transformador do cotidiano deste espaço, como fomentador da unidade de USOFRUTO, pequeno trecho do rio Arrudas que pode ser concebido e usufruído como já pode assim ter sido em algum momento do passado da cidade.
Se o resultado for de assimilação e aproveitamento da oportunidade, o resgate de mais trechos do rio, ou quem sabe todo ele, pode passar de uma utopia a uma reivindicação social.

André Luis
Thiago

15.4.10

Intervenção A R R U D A S 1

Unidades de Convivência



Não sabemos se Belo Horizonte
Quando ainda era arraial
Já viveu época em que estranhos
Ainda poderiam deixar de serem estranhos
Por um simples e fortuito encontro
Na saída da casa para o trabalho
Ou na ida e vinda da venda.




Não sabemos se a cidade germinada
Freqüentava muito os seus rios.
O rio Arrudas, por exemplo,
Será que pescavam nele?
Será que se assentavam debaixo
De uma frondosa árvore rodeada de crianças?
Será que aproveitavam o tempo da melhor forma possível:
Deixando-o passar?

Queremos acreditar que sim,

Pois é isso que pensamos para a Belo Horizonte de hoje.
Uma cidade que certamente seria mais feliz
Se privilegiasse a convivência.

Pensando no que um rio, uma árvore e a sombra que cria
Podem oferecer ao tempo e ao espaço da cidade
Consideramos esta, uma unidade de convivência.
A intervenção no Rio Arrudas, hoje canalizado, concretado
Busca exatamente o reverso do cimento acinzentado,
Dar dignidade ao ímpeto de convivência
Na alma por hora também concretada
Dos cidadãos belorizontinos.

Árvores frutíferas
Aos cuidados dos moradores de rua
Que podem usar das frutas (usofruto!)
Para consumo próprio ou para fonte de recursos.
Manga, abacate, banana, laranja, mexerica,
Mamão, jaboticaba, transformam-se em sucos, vitaminas,
Bolos, tortas, geléias, recheios...
Frutos das unidades de convivência.

26.3.10


BELO HORIZONTE: visão de um autor-arquiteto


Este texto é substrato da apresentação de imagens e diagramas na sala de aula a propósito do trabalho proposto pelo prof. Altamiro na disciplina de Oficina de Instrumentação e Fundamentação do curso de Arquitetura e Urbanismo (noturno) da escola de Arquitetura da UFMG.

André Luis Soares Lacerda


A cidade de Belo Horizonte não difere muito das grandes metrópoles da atualidade. Concentra um contingente muito grande de pessoas (já ultrapassa os 4 milhões) distribuídas de uma maneira desorganizada em pouco mais de uma dezena de quilômetros quadrados. Além de possuir áreas demograficamente muito densas, essa densidade se dá de forma extremamente segregada, como se a cidade pudesse seguir uma lógica de simples setorização. Há que se falar também da crescente e inevitável verticalização das suas edificações, uma vez que o espaço geográfico restrito e acidentado, e a já dita intensa densidade populacional, obriga o afastamento das pessoas em relação ao solo, ao terreno. Outro aspecto marcante é a presença incomodativa e ultrajante dos automóveis, verdadeiros imperadores do urbanismo. Em Belo Horizonte, tal qual ocorre em outras grandes cidades do país, a prioridade dos assuntos urbanos visa remendar a geografia urbana para o usufruto dos carros (muito mais dos carros que dos próprios motoristas). O alargamento de vias e privatização de seus entornos a favor do automóvel, quer através de estacionamentos fechados, quer pela transformação dos canteiros em estacionamentos rotativos, a canalização de córregos e rios, a construção de passarelas, semaforização, as regras e leis de trânsito, tudo se resume na máxima de que o fluxo de veículos automotivos funciona equivocadamente como cerne da atividade urbana. Consomem-se morros, derrubam-se árvores, escondem-se rios, destroem-se casas, com o pretexto de minimizar – mesmo que temporariamente – o tempo de permanência em engarrafamentos. Poderíamos citar tantos outros elementos que caracterizam as metrópoles e que estão marcadamente presentes na realidade belorizontina, mas usarei destas três características, como partida para esta discussão – densidade demográfica, verticalização e predomínio dos carros frente às pessoas na lógica urbana.


A verticalização da cidade é crescente e nítida até aos olhos mais desavisados. Por mais colírios estéticos que tentam impor às fachadas dos prédios, não se pode mais contemplar a vista que deu nome à capital do Estado – Belo Horizonte. As serras que a envolvem, no imaginário urbano, passam a ter papel secundário frente ao visual de concreto que a cidade – outrora chamada de jardim – atualmente possui. Restritos a patamares cada vez mais elevados em relação ao nível do solo, os moradores dos edifícios parecem também incorporar para o cotidiano a lógica do isolamento.


Contraditória, mas real, é a lógica de que a cidade está continuamente mais populosa e inversamente menos contato as pessoas têm uma com as outras. Vizinhos de prédio não se conhecem, e, apesar de enfrentarem muitas vezes a mesma realidade, parecem não reconhecerem no cotidiano do outro similaridades com seu próprio dia-a-dia.


E os automóveis, também cada vez mais individuais, contribuem para esse isolamento. A maior parte da população passa o dia atravessando setores da cidade, de casa para o trabalho e vice-versa, numa dinâmica de segregação, sem ter a oportunidade de viver, ou melhor, conviver com seus vizinhos. Cria-se a multidão, uma casca de pseudo-identidade urbana, porque é o retrato de qualquer lugar porque na verdade, é a cara do não-lugar. A frota de veículos se consome no mesmo princípio. Nada tem a ver com a cidade em si, mas com o martírio de qualquer cidade que não soube crescer, ou que pelo menos não cresce a favor dos seus moradores, que, mais precisamente, opera contra todos eles.


Nasci e me criei em Belo Horizonte. Sou belorizontino. Meus pais se conheceram porque eram vizinhos de quarteirão e freqüentavam a mesma esquina. As casas não possuíam muros ou grades, tampouco cercas elétricas. Todos caminhavam para a padaria, açougue, igreja, escola, mercadinho e nesse caminhar se encontravam. Produzia-se convivência. Desta convivência eu nasci, assim como contemporâneos meus certamente nasceram, quer pelo contato de bairro, quer pelo contato de trabalho-atividade-ocupação. Fico imaginando hoje em dia, como meu pai se encontraria com a minha mãe nessa dinâmica. Um em cada carro, no engarrafamento? No estacionamento ou no corredor de algum supermercado? Nas praças de lanche rápido dos shopping- centers? Certamente não.


Lembro-me de brincar muito na rua, porque a rua era nossa e, ás vezes, deixávamos os carros passarem. Conhecia as casas e prédios da vizinhança, soltava papagaios de papel e me divertia com os espaços ilimitados da infância. Ao mesmo tempo assistia meu avô religiosamente varrer o passeio e o meio-fio todos os dias pela manhã, juntando as folhas de uma frondosa árvore que hoje já não é tão frondosa assim.


Na cidade superpovoada, metropolizada, quanto mais gente nela vive, menos gente se torna. Os lugares inexistem, passam a ser apenas territórios friáveis de alguém sem nome. Predomina o virtual. Hoje se consegue tudo de dentro do apartamento, ou melhor, de dentro do quarto 3x3m2. Um computador ligado à internet dispensa telefone, televisão, cozinha (entregadores de pizza resolvem o problema), quintal, rua, esquina, quarteirão, praça, parques... tudo se dá numa realidade virtual. A cidade se insere na tela do computador. A convivência se transfere para a ponta dos dedos e para o mirar dos olhos. E todos brincam de ser felizes.


Apresentação trabalho prof. Altamiro. Belo Horizonte: olhar de um autor arquiteto

18.3.10

De onde surgem as idéias

Há duas formas fundamentais de percepção da origem das idéias. A primeira, metafísica, consiste em admitir que as idéias surgem do vazio, do vácuo, da subjetividade, da inspiração, do poder imaginativo do pensador/inventor. Num momento de iluminação as idéias chegam e são absorvidas por um cérebro pensante e fértil. Dessa forma, classifica diretamente aquele que possui muitas idéias como pessoa inventiva, criativa, aberta às recepções eletromagnéticas que o acaso e o destino oportunamente lhe proporcionam. A segunda percepção, materialista, indica que as idéias são formadas a partir de experimentação, de vivência, ou seja, de determinada prática. Consiste em afirmar que qualquer pensamento ou teoria que se forma a respeito de qualquer objeto possui compromisso direto com a realidade, ou melhor, com a necessidade de interferência nessa realidade. Nesse segundo caso, as pessoas inventivas, criativas, deixam de ser pára-raios de uma chuva de idéias e passam a ser perceptivas e sensíveis aos diferentes processos que regem o cotidiano, constroem e destroem conceitos, todos vinculados à sua realidade.

Essa visão materialista da realidade, que explica dessa forma a origem das idéias, me parece mais coerente. Vacila menos. É mais justa. É mais democrática. Admite qualquer pessoa como um pensador em potencial, pois é isso que todos nós somos realmente. Pessoas que pensam o tempo todo.

Já ouvi um professor de biofísica dizendo que cada um tem em média uma ou duas idéias brilhantes por ano. Gostaria de saber com que aparelho ele conseguiu verificar essa média. Seria um ideômetro? As idéias não podem ser quantificadas e tampouco classificadas em brilhantes ou tímidas. Tudo depende do objetivo, do propósito e a partir de que prática foi construída.

Mas se consideramos a visão materialista da realidade, em que a idéia tem compromisso com a realidade, a teoria está vinculada à prática, as pessoas mais bem sucedidas no seu ideário, as idéias mais bem aceitas e possivelmente mais aplicadas, partem também do sucesso da percepção, análise e síntese da realidade. Mais precisamente, das contradições que cercam determinada realidade.

Liberdade é a consciência da necessidade. Essa frase, que não é minha, e que infelizmente não me recordo o autor, é no mínimo forte. As pessoas que entendem e que percebem suas necessidades frente às contradições do cotidiano se libertam, uma vez que podem imprimir no próprio movimento toda a energia necessária para a transformação de determinado processo, obviamente munidas das idéias formuladas a partir deste confronto com o real.

E aquelas idéias que aparecem do nada? Aquelas que nos acordam depois de um sono agitado? Idéias que nos fazem anotar rapidamente no papel para não perdermos seu conteúdo? E as letras de música, os poemas, os quadros e outras manifestações artísticas que surgem em momentos de inspiração muitas vezes auxiliados por um ótimo vinho ou por uma companhia estimulante? Que inspiração é essa? Que poder imaginativo! Não há nada de metafísico nisso. Abstratos ou não, tais produtos do pensamento humano certamente se conectam com a matéria real, com o chão onde pisou o poeta, com o sentimento vivido pelo escritor, com a angústia do artista frente às contradições do mundo, com a inquietação do inventor frente às lacunas do inexplicável. Apesar de muitas vezes essa ligação com a prática não ser visível, ela se dá inexoravelmente. O que não podemos afirmar é que todas essas expressões da mente humana, por não se beneficiarem de método, de objetividade, de processo, de discussão, de questionamento, podem ser realmente bem sucedidas, ou, numa linguagem menos ácida, produtoras de uma realidade melhor. São interferências cujo compromisso com a realidade é mínimo – apesar de terem surgido a partir dela -, e por isso o resultado positivo também apresentará iguais proporções, ou até mesmo negativo, dependendo do referencial.

Não me oponho à sublimação ou à transcendência. Mas precisamos nos exercitar para que esses recursos, essas ferramentas nos auxiliem na aproximação com a realidade e não no distanciamento dela. Do contrário, as grandes idéias continuarão sendo vistas como propriedades dos grandes gênios e todos os outros serão expectadores à espera da revelação. É inadmissível tal imobilidade.

Boas idéias podem ser simples ou excêntricas, lineares ou dendríticas, mas são boas não pelo momento brilhante do autor, mas pela sua eficiência em perceber o que rege determinado desequilíbrio e como esse desequilíbrio pode se transformar em equilíbrio com atitude.

12.3.10

Minha cidade. Minha, sua, nossa...
Tanto pronome possessivo.
A verdade é que nós é que somos dela.
Ela é que permite essa posse fictícia,
mesmo que seja nas lacunas desse idioma.

26.2.10

DISSE QUE ME DISSE

A VERTICALIZAÇÃO URBANA


A máxima de que quanto maior a altura, maior é a queda pode se tornar bem verdadeira segundo as projeções atuais. Tão alto quanto os super-edifícios, deverá ser a idéia de que são seguros, tal qual a demonstração do primeiro elevador construído por Elisha Otis. Cria-se uma outra máxima de que quanto maior a altura, melhor é a vista. Para cada dezena de metros que se distancia do chão, igual ou maior empenho deve se dar à idéia de que a queda é improvável. Talvez não esta queda física que já temos presenciado nos onze de setembro do mundo, mas a queda interna do ser humano que aceita e deseja se subjugar aos ditames da verticalidade e superficialidade. Viver acima de alguns planos tem se tornado o mais artificial dos modos de vida, mas com a roupagem da naturalidade - tanto no amplo quanto no estrito sentido da palavra.
Interessante é imaginar que se a lógica capital é de exclusão, concentração de poder e riqueza, onde ou em que espaço se depositará a maioria marginalizada? Talvez não mais em favelas. Filmes até bem antigos já mostravam algumas tendências ao subsolo, ao subterrâneo...