BELO HORIZONTE: visão de um autor-arquiteto
Este texto é substrato da apresentação de imagens e diagramas na sala de aula a propósito do trabalho proposto pelo prof. Altamiro na disciplina de Oficina de Instrumentação e Fundamentação do curso de Arquitetura e Urbanismo (noturno) da escola de Arquitetura da UFMG.
André Luis Soares Lacerda
A cidade de Belo Horizonte não difere muito das grandes metrópoles da atualidade. Concentra um contingente muito grande de pessoas (já ultrapassa os 4 milhões) distribuídas de uma maneira desorganizada em pouco mais de uma dezena de quilômetros quadrados. Além de possuir áreas demograficamente muito densas, essa densidade se dá de forma extremamente segregada, como se a cidade pudesse seguir uma lógica de simples setorização. Há que se falar também da crescente e inevitável verticalização das suas edificações, uma vez que o espaço geográfico restrito e acidentado, e a já dita intensa densidade populacional, obriga o afastamento das pessoas em relação ao solo, ao terreno. Outro aspecto marcante é a presença incomodativa e ultrajante dos automóveis, verdadeiros imperadores do urbanismo. Em Belo Horizonte, tal qual ocorre em outras grandes cidades do país, a prioridade dos assuntos urbanos visa remendar a geografia urbana para o usufruto dos carros (muito mais dos carros que dos próprios motoristas). O alargamento de vias e privatização de seus entornos a favor do automóvel, quer através de estacionamentos fechados, quer pela transformação dos canteiros em estacionamentos rotativos, a canalização de córregos e rios, a construção de passarelas, semaforização, as regras e leis de trânsito, tudo se resume na máxima de que o fluxo de veículos automotivos funciona equivocadamente como cerne da atividade urbana. Consomem-se morros, derrubam-se árvores, escondem-se rios, destroem-se casas, com o pretexto de minimizar – mesmo que temporariamente – o tempo de permanência em engarrafamentos. Poderíamos citar tantos outros elementos que caracterizam as metrópoles e que estão marcadamente presentes na realidade belorizontina, mas usarei destas três características, como partida para esta discussão – densidade demográfica, verticalização e predomínio dos carros frente às pessoas na lógica urbana.
A verticalização da cidade é crescente e nítida até aos olhos mais desavisados. Por mais colírios estéticos que tentam impor às fachadas dos prédios, não se pode mais contemplar a vista que deu nome à capital do Estado – Belo Horizonte. As serras que a envolvem, no imaginário urbano, passam a ter papel secundário frente ao visual de concreto que a cidade – outrora chamada de jardim – atualmente possui. Restritos a patamares cada vez mais elevados em relação ao nível do solo, os moradores dos edifícios parecem também incorporar para o cotidiano a lógica do isolamento.
Contraditória, mas real, é a lógica de que a cidade está continuamente mais populosa e inversamente menos contato as pessoas têm uma com as outras. Vizinhos de prédio não se conhecem, e, apesar de enfrentarem muitas vezes a mesma realidade, parecem não reconhecerem no cotidiano do outro similaridades com seu próprio dia-a-dia.
E os automóveis, também cada vez mais individuais, contribuem para esse isolamento. A maior parte da população passa o dia atravessando setores da cidade, de casa para o trabalho e vice-versa, numa dinâmica de segregação, sem ter a oportunidade de viver, ou melhor, conviver com seus vizinhos. Cria-se a multidão, uma casca de pseudo-identidade urbana, porque é o retrato de qualquer lugar porque na verdade, é a cara do não-lugar. A frota de veículos se consome no mesmo princípio. Nada tem a ver com a cidade em si, mas com o martírio de qualquer cidade que não soube crescer, ou que pelo menos não cresce a favor dos seus moradores, que, mais precisamente, opera contra todos eles.
Nasci e me criei em Belo Horizonte. Sou belorizontino. Meus pais se conheceram porque eram vizinhos de quarteirão e freqüentavam a mesma esquina. As casas não possuíam muros ou grades, tampouco cercas elétricas. Todos caminhavam para a padaria, açougue, igreja, escola, mercadinho e nesse caminhar se encontravam. Produzia-se convivência. Desta convivência eu nasci, assim como contemporâneos meus certamente nasceram, quer pelo contato de bairro, quer pelo contato de trabalho-atividade-ocupação. Fico imaginando hoje em dia, como meu pai se encontraria com a minha mãe nessa dinâmica. Um em cada carro, no engarrafamento? No estacionamento ou no corredor de algum supermercado? Nas praças de lanche rápido dos shopping- centers? Certamente não.
Lembro-me de brincar muito na rua, porque a rua era nossa e, ás vezes, deixávamos os carros passarem. Conhecia as casas e prédios da vizinhança, soltava papagaios de papel e me divertia com os espaços ilimitados da infância. Ao mesmo tempo assistia meu avô religiosamente varrer o passeio e o meio-fio todos os dias pela manhã, juntando as folhas de uma frondosa árvore que hoje já não é tão frondosa assim.
Na cidade superpovoada, metropolizada, quanto mais gente nela vive, menos gente se torna. Os lugares inexistem, passam a ser apenas territórios friáveis de alguém sem nome. Predomina o virtual. Hoje se consegue tudo de dentro do apartamento, ou melhor, de dentro do quarto 3x3m2. Um computador ligado à internet dispensa telefone, televisão, cozinha (entregadores de pizza resolvem o problema), quintal, rua, esquina, quarteirão, praça, parques... tudo se dá numa realidade virtual. A cidade se insere na tela do computador. A convivência se transfere para a ponta dos dedos e para o mirar dos olhos. E todos brincam de ser felizes.
Apresentação trabalho prof. Altamiro. Belo Horizonte: olhar de um autor arquiteto
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